quinta-feira, 25 de abril de 2013

Crack: incluir para tratar


Texto do psiquiatra Rodrigo Godoy, que será nosso palestrante no III Simpósio, publicado no jornal O Globo em 26 de fevereiro de 2013.

Crack: incluir para tratar

Além de todo o dano causado aos doentes e suas famílias, uma epidemia tem o sinistro poder de provocar uma verdadeira comoção, testando as fragilidades de nosso tecido social e das estruturas responsáveis pela elaboração de uma resposta. 
Embora possa trazer graves transtornos à esfera da ordem pública, uma epidemia é, eminentemente, um problema de saúde pública, ou seja, uma questão clínica, médica, sobretudo no que diz respeito a seu tratamento. 
No caso da atual epidemia de dependência de crack, todos estamos impressionados pela gravidade da degradaçao da saúde mental das pessoas afetadas, ainda que na maioria das vezes só as vejamos através das reportagens que testemunham sua errância pelas cracolândias. Não devemos, contudo, deixar que tais imagens representem para nós a totalidade do problema. 
Ele é, infelizmente, muito maior. Os frequentadores das cracolândias são “apenas” a expressão terminal da doença. Doença esta marcada pela potência avassaladora da droga, que transforma as tentativas de interrupção do consumo em crises de abstinência absolutamente insuportáveis sem ajuda especializada.


Assistimos, paralelamente, a um longo debate sobre a oportunidade do recurso à internação destas pessoas, mesmo que não haja seu consentimento. Podemos dizer que a internação psiquiátrica (voluntária ou não) é muitas vezes necessária, urgente mesmo, mas nunca suficiente. 
Não podemos reduzir o tratamento desta situação e, de modo mais amplo, de várias outras doenças psiquiátricas, simplesmente a uma hospitalização, ainda que esta esteja perfeitamente indicada. 
Aqueles que têm a experiência da dependência química conhecem os riscos, enormes, das recaídas. Eles só podem ser minorados através de uma proposta clara de tratamento e da continuidade dos cuidados, que precisa incluir o recurso eventual à hospitalização.
Durante o século XX, o modelo psiquiátrico que prevaleceu no atendimento proposto pelo Estado foi o da exclusão asilar, ou seja, um modelo onde muitas vezes era difícil sair do hospital. Contestado por amplo movimento que resultou na lei que hoje vigora, ele foi substituído pelo modelo “antimanicomial”, em cuja perspectiva a internação passou a figurar como “último recurso”, uma vez esgotadas todas as outras possibilidades de tratamento. 
Estas outras possibilidades permanecem, apesar dos enormes esforços e da qualidade técnica dos que nelas trabalham, amplamente insuficientes, resultando em saturação e inevitável perda de qualidade no tratamento de crises e na capacidade de acolhimento de novos casos. O resultado prático para a população é o agravamento de certas situações de adoecimento até o paroxismo da crise individual ou, no caso de nossa epidemia, da crise social. 
O desafio, em suma, é o de não substituir uma exclusão por outra, anti-hospitalar, onde o difícil muitas vezes é encontrar a porta de entrada para o tratamento.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

A modernidade sob o olhar da psicanálise e da filosofia...


Filosofia para um novo tempo: Café Filosófico com Luc Ferry e Jorge Forbes exibida pela TV Cultura em 5 de agosto de 2012.



Rótulo ou diagnóstico?

A campanha da CCHR critica o exagero de diagnósticos psiquiátricos que as crianças e adolescentes têm recebido nos últimos anos.

Muitas vezes o que é visto como patologia é justamente o ponto onde a criança exerce sua singularidade e sua genialidade.

Assista o vídeo!




terça-feira, 16 de abril de 2013

Vigorexia e Dismorfofobia

Matéria na Folha de São Paulo fala sobre vigorexia e dismorfofobia.

Adolescentes que malham demais podem ser vítimas de transtorno psiquiátrico


A rotina do estudante carioca M.V., 15, inclui musculação seis vezes por semana e pesquisa diária na internet sobre exercícios e suplementação alimentar. Tudo para ficar maior e mais forte.
O adolescente pesa 78 quilos e tem 1,81 m. "Não acho que 15 anos seja muito cedo para malhar. Quanto mais eu treinar, mais facilmente chegarei à meta." A meta, no caso, é aumentar o diâmetro do seu braço de 39 cm para 55 cm.
A página de M.V. no Facebook é igual a de muitos meninos dessa idade: cheia de fotos de corpos musculosos, frases motivacionais e chacotas com "frangos" ou "filés de borboleta" (jovens sem os músculos estufados, típicos de quem vive em academia).
Estudo feito com 1.307 adolescentes e publicado no jornal americano "Pediatrics", em novembro de 2012, constatou que 90% deles se exercitam para ganhar músculos. A enquete foi feita em Minesota (EUA), mas os dados podem ser extrapolados todo o país, diz a pesquisa.
Até aí, tudo bem. A questão, mostram estudos internacionais e locais, é que a insatisfação dos meninos com seus corpos está em alta e, é claro, ligada à malhação exagerada. Exemplo: em pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina com 641 jovens de 11 a 17 anos, 54,3% dos garotos se declararam insatisfeitos com sua imagem.
O educador físico Marcus Zimpeck observa a tendência em academias paulistanas: "Vários adolescentes que querem ganhar corpo exageram, mas nem se dão conta".

NO ESPELHO
O hebiatra (médico especializado em adolescência)Alberto Mainieri, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, concorda: "Há um crescente exagero não só na frequência do esforço muscular como na intensidade. Não são mais casos isolados". Segundo ele, o excesso de treinamento nessa fase da vida é perigoso e pode caracterizar vigorexia.
"É um vício que vai aos poucos interferindo na vida social", afirma Zimpeck. O instrutor acha que o transtorno está subdiagnosticado.
Quem tem o distúrbio nunca se satisfaz com o corpo que tem e treina obsessivamente. "Muitos pesquisadores consideram a vigorexia um subtipo de dismorfofobia", diz o psiquiatra Celso Alves dos Santos Filho, do Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares da Unifesp.
A dismorfofobia é uma alteração na autoimagem. No espelho, a pessoa se enxerga de forma negativa, o que não condiz com a realidade.
É o que relata o estudante G.P., 17: "Todo mundo diz que estou bem assim: ganhei 12 quilos de músculos em oito meses, mas, quando me olho, não gosto do que vejo. Em algumas fotos até me acho mais forte, mas depois olho melhor e vejo que ainda falta muito". Ele pesa 70 quilos e quer chegar aos cem. "Mas, se ainda estiver ruim, subirei a meta para 109 quilos", diz.
G.P. admite que pensa nos treinos em tempo integral e que os amigos reclamam do seu novo hábito. Ele se sente culpado se não puder malhar. "Se falto, penso que vou perder muito peso e não vou atingir nunca minha meta."
A vida social de G.P. também foi alterada pelos treinos: "Só volto para as baladas quando ficar mais forte".
O surgimento do transtorno nessa faixa etária é favorecido pelas alterações físicas e psicológicas que ocorrem. "Adolescentes sentem necessidade constante de aceitação, até da aparência. Não é à toa que dismorfofobia e vigorexia têm início nessa fase", diz o psiquiatra.
A psicanalista Dirce de Sá Freire, membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, vê nessa dedicação ao físico uma demonstração de autodomínio: "O adolescente abraça a teoria de que o corpo pode ser moldado numa tentativa de controlar a própria vida, já que não pode controlar seu entorno".
O diagnóstico de vigorexia é difícil. A fisiatra Isabel Chateubriand, coordenadora da Reabilitação do Hospital Sírio-Libanês, diz atender pacientes com lesões causadas por excesso de musculação em um quadro claramente vigoréxico: "Explico ao jovem que está treinando errado e tem transtorno de imagem, mas ele não aceita. O máximo que faz é mudar temporariamente o treino até resolver o problema específico da lesão que o fez buscar ajuda".
As consequências desses excessos são difíceis de prever. "A curto prazo não identificamos os malefícios no corpo, pois aos olhos da sociedade o paciente é saudável, faz esporte. Se não fizermos os exames certos, nem saberemos que há alterações, já que adolescentes têm uma reserva de energia muito grande", diz Chateubriand.
D. D., 15, montou uma academia em casa e prepara suas séries sozinho: "Não preciso de instrutor. Qualquer dúvida, consulto a internet", argumenta ele, que treina há um ano, quatro vezes por semana, mas só exercita a parte superior, por causa de uma cirurgia para retirar um tumor na tíbia, feita aos 11 anos.
A mãe de D. D. diz se preocupar com o filho: "Os jovens de hoje querem ficar muito musculosos. Acho perigoso ele tomar suplementos, mas D. não me ouve". A dieta proteica que ele segue foi escolhida com base em informações recolhidas da internet.

METROS DE TÓRAX
Alguns dos adolescentes entrevistados para a reportagem pretendem participar de campeonatos de fisiculturismo, como I.C., 17, que acabou o segundo grau e quer estudar educação física.
Ele treina os sete dias da semana e conta que seus pais não aprovam isso: "Eles dizem que se eu ficar maior vou ficar feio, mas discordo. Ficarei como me sentir bem; meu objetivo é chegar aos dois metros de tórax", provoca.
O desejo de ganhar músculos em pouco tempo, passando por cima da genética, leva jovens a recorrerem a anabolizantes, é lógico --apesar de o tema ser tabu, mesmo para entrevistados protegidos pelo anonimato: "Desculpe, não falo sobre isso", diz I.C.
Zimpeck alega que a maior parte dos adolescentes que diz querer ser atleta de "bodybuilding" não sabe onde está se metendo: "Desconhecem como é difícil ser fisiculturista, ainda mais no Brasil, onde não se ganha para isso".
G. P. nunca pensou em ser fisiculturista. Seu interesse é ficar mais atraente mesmo: "Acho legal chegar na escola bem grande e os colegas comentarem. Eu me sinto mais seguro. É um sacrifício, mas acho que vale a pena".
Para Chateubriand, adolescentes obcecados por músculos cumprem o papel social imposto a eles: "São fruto das nossas crenças, estão sendo coerentes. É preciso mudar o conceito de exercício, de estética para saúde".